Minha foto
Nome:
Local: Varanda em Pernambuco

sábado, maio 12, 2007

O trapalhão, o arquiteto e a professora.

O povo quer um parque, o prefeito trapalhão encomendou uma praça. Criou-se a confusão!

Parque, por definição, é uma área de preservação, normalmente arborizada, que pode ou não ter equipamentos de lazer ou recreação. Praça, ao contrário, é uma área livre, chão batido, entre edificações, para encontros, reuniões, feiras e comércio. É o que dizem os dicionários. Para um leigo e semi-analfabeto, como eu, que quer entender a polêmica, foi um bom começo.

O bairro de Boa Viagem, no Recife, é um verdadeiro paliteiro. Prédios e mais prédios a ponto de, na beira mar, existirem somente meia dúzia de terrenos vazios, se tanto. As poucas casas ainda existentes, na sua maioria, pertencem à Marinha ou à Aeronáutica.

Por uma lei dos tempos que canhoneiras disparavam bolotas de ferro nas costas de paises inimigos ou a conquistar, os terrenos beira mar, por segurança, eram considerados terrenos de Marinha. Pertenciam á União. Como toda e qualquer vantagem dos poderes constituídos no Brasil nunca são revistas, esta estrovenga jurídica permanece até hoje. Se você é proprietário de um terreno nestas condições tem de pagar um tal de laudêmio à União. É assim como pagar um aluguel para morar na sua própria casa.

Mas vamos ao que interessa. Em Boa Viagem existe um terreno, frente ao mar, de 33 mil metros quadrados que pertence à Aeronáutica (também fruto de apropriação no tempo da Segunda Grande Guerra) e está, imaginem, vazio e sem uso. Aliás, não está completamente sem uso. Serve de base para uma singela, porém prepotente, placa “Propriedade da Aeronáutica”.

Em face de tamanho desperdício e na falta de locais para descanso e lazer no bairro, residentes da área reuniram-se numa Associação para lutar pela criação de um parque onde pudessem desfrutar de caminhadas por entre árvores, ouvindo o canto dos pássaros e contemplando o mar de Boa Viagem. No máximo, imaginavam, uma pista de Cooper, um laguinho e uns brinquedinhos para as crianças.

Tudo, menos a construção de edifícios, asfalto e cimento, que lá já tinham demais!

Por obra e graça do esforço comum e com ajuda de um vereador conseguiram apoio do prefeito e, do governo federal, a cessão do terreno em comodato à cidade por vinte anos prorrogáveis indefinidamente.

Você já está, acertadamente, imaginando que, finalmente, no Brasil, as coisas estão tendo um final feliz, não é mesmo? Muito bem. Não estão, não!

O que era para ser evitado virou prioridade do prefeito. Aliás, não é a primeira trapalhada do alcaide em relação ao parque de Boa Viagem. Começou desagradando ao usar o parque público de Boa Viagem para, em inspiração solo, puxar o saco do presidente, batizando o parque com o nome da progenitora de Lula, D. Lindu!

Prontamente foi acompanhado pelos vereadores que, em matéria de puxa saquismo e subserviência ao poder, não ficam nada a dever aos melhores do mundo!

Não muito prendado em coisas do saber e por mote próprio, imaginando seu nome piscando em neón multicolorido para a eternidade, mundo afora, como o responsável pela obra de Niemeyer no Recife, o prefeito resolveu contratar o escritório do arquiteto, vejam vocês, para projetar o parque.

O grande arquiteto não é um urbanista, muito menos um paisagista. É um arquiteto, desenhista de formas deslumbrantes, sinuosas, atraentes, que por força de sua competência, fazem do concreto esculturas monumentais! Como tal, ele sabe que sua obra deve ser valorizada de per si sem adereços que lhe tirem a majestade. Árvores próximas, nem pensar! No máximo uma palmeira imperial que com seu traço retilíneo de obelisco agrega imponência à sua obra.

Resultado, Niemeyer projetou uma praça de eventos que certamente colocará Recife como uma das privilegiadas cidades do mundo que ostentam suas obras primas.

Só tem um pequeno probleminha: o projeto vai cimentar e impermeabilizar 50% da área do parque e, pior, terá um teatro que em sua versão externa terá capacidade para receber vinte mil pessoas para assistirem a espetáculos variados! A verdadeira praça do povo, da comemoração, dos grandes eventos, do trânsito infernal, do som ensurdecedor! Tudo o que os moradores de Boa Viagem não queriam!

Deu-se o impasse. O prefeito fez a encomenda que custará aos cofres municipais a bagatela de R$ 2 milhões pelo projeto e R$ 18 milhões de custo total de execução, sem os costumeiros adendos de contrato. Para ter uma obra do Niemeyer, penso que é um investimento que vale a pena! O que não vale é sacrificar mais uma vez a população de Boa Viagem com mais movimento em um bairro já saturado de gente, carros, carrocinhas, ambulantes e, absolutamente, sem nenhuma área verde.

O prefeito radicalizou e disse que uma elite intransigente está fazendo tempestade em copo d’água. Na falta de melhor argumento diz que o futuro lhe dará razão, como se a garantia de um futuro melhor não fosse, justamente, o fruto de discussões no presente.

Comparações as mais estapafúrdias foram feitas. Uma que chamou a atenção foi comparar o parque de Boa Viagem com o do Ibirapuera em São Paulo onde existem grandes projetos de Niemeyer. A diferença é que lá são 1,6 milhão de metros quadrados com apenas 192 mil metros quadrados de área impermeável e 1,04 milhão de áreas permeáveis.

Apenas 62 mil m² são edificações, incluídos os projetos do arquiteto!

Lá foram catalogadas 112 espécies de aves, beneficiadas pela diversidade da flora, que lhes proporciona condições favoráveis para abrigo, alimentação e reprodução.

Entre elas estão o biguá, a coruja orelhuda, o tuim, o beija-flor de garganta roxa, a risadinha e outras.

O lago de 150 mil m² abriga, principalmente durante o inverno, aves migratórias como irerês, garças-brancas-grandes, socós-dorminhocos e martins-pescadores, bem como grande número de carpas e tilápias.

Completam o ambiente, próximo ao lago, animais domésticos com funções ornamentais e contemplativas como gansos, patos, marrecos, galinhas d'angola e pavões. Podem ser encontrados ainda o gambá de orelha preta e répteis como a cobra-dormideira, a cobra-d'água e a cobra de duas cabeças.

A concepção paisagística, inacreditável, foi de dois paisagistas e não de Niemeyer: Roberto Burle Marx e Augusto Teixeira Mendes. Resultou numa flora diversificada composta pelos eucaliptais, plantados na década de 20 para drenar o terreno alagadiço de várzea, e por jardins e bosques com árvores ornamentais, nativas e exóticas, formando paisagens abertas e fechadas. Assim, lá se encontram alamedas de figueira-benjamim, chichá, carvalho brasileiro e ipê-rosa; bosques de jaqueira e guapuruvus; e conjuntos de sete capotes e araribá. Há ainda o jardim dos cegos e espécimes de pau-ferro, banyan-da-índia, paineira, tamareira-das-canárias e muitas outras.

Não cabe a comparação, mas pode inspirar um parque menor e não menos agradável.

Moradores foram ao Ministério Público queixar-se de que o projeto do prefeito não respeita os termos da cessão federal que, dizem, não permite edificações na área.

Infelizmente cada um vai buscando suas razões apaixonadamente que é o caminho mais rápido para se perder o foco.

Li várias opiniões, reclamações, arrazoados, pareceres, e os mais variados bostejos, técnicos e políticos, sobre o tema. Prós e contras. Cheguei a conclusão de que todos têm razão.

Mas, alguns têm mais razão do que outros por apresentarem soluções.

Circe Monteiro é professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano (MDU) da Universidade Federal de Pernambuco. Sua idéia é levar o projeto para outro terreno que ela sugeriu seja a área vizinha a Vila Naval, que está incluída no Complexo Turístico-Cultural Recife-Olinda. “Seria uma forma de a cidade ter a obra de Niemeyer e o parque verde em Boa Viagem, diz ela”.

A região da Vila Naval é mais adequada para um projeto de caráter metropolitano, como pretende a prefeitura. "A localização é boa, o entorno é privilegiado, de frente para o mar”.

Uma área sem edifícios que daria à obra de Niemeyer uma visibilidade infinitamente superior a que teria na pequena área de Boa Viagem.

Ganhariam todos: o Recife, Olinda, o povo pernambucano, os moradores de Boa Viagem, o mestre da arquitetura Oscar Niemeyer e, por tabela, o trapalhão!

Talvez por sua simplicidade a idéia da professora não tenha merecido a atenção devida.

Dizia Nelson Rodrigues que só os gênios enxergam o óbvio! Ainda há tempo!

1 Comments:

Blogger Santa said...

Excelente artigo penso que o que de melhor li sobre o assunto. A sugestão da professora é mais do que sensata! Alfredo, tudo o que o PT faz "é ilegal, imoral ou engorda", o alcaide terá que explicar o fato de ter encomendado o projeto 3 meses antes de abrir licitação para o mesmo projeto do Parque, cujo nome original Alameda do Mar. Bonito, né?

Bjs

PS: Mande esse artigo para o Diário de Pernambuco

10:32 PM  

Postar um comentário

<< Home