Peões
Caminhamos céleres para sermos uma nação de peões.
Estradas esburacadas e sem segurança, trens não temos, navios nem pensar, automóveis cada dia mais imóveis no trânsito e, aviões, que Deus nos livre! Só nos resta ir a pé.
Para onde? Depende de sua disposição. Comecei a praticar natação para adquirir preparo físico pois pretendo ir para São Paulo. Considerando que estou em Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, é uma tirada e tanto. Mas, que fazer? Parece que esta é a única opção.
Mesmo assim corre-se o risco de cair um avião na nossa cabeça. Ou uma jamanta desgovernada nas mãos de um motorista numa cochilada básica fazer da gente uma disforme massa de quetechupe. Acidentes acontecem, pois não?
Não custa se precaver e levar alguns pares de tênis, velhos o suficiente para não despertar a cobiça de assaltantes de ocasião. O melhor, mesmo, para garantir, é uma alpercata de couro cru daquelas bem usadas e fedidas. Vai lhe causar certo desconforto, certamente algumas bolhas no pé, mas sempre é melhor do que longas caminhadas descalço.
O conselho serve também para o resto das vestimentas. Bermudas rasgadas, camisetas puídas, bonés do MST, sabe-se lá quem vamos encontrar pelo caminho. Quanto mais próximo de um mendigo maior a probabilidade de você chegar vestido ao seu destino, mesmo que malcheiroso e maltrapilho. Sempre há o risco de você encontrar uma turminha funk que adora espancar mendigos velhinhos. Aí não tem jeito. Tem que sair em disparada. Não esqueça de tirar as alpercatas.
Imaginemos que você, para evitar esses transtornos, se encha de coragem e resolva enfrentar um avião. Dois dias antes de sua viagem não caia na besteira de ouvir rádio, ver TV. Jornal nem pensar. Mais seguro é ficar uma semana recolhido sem acesso às notícias.
Chegando ao aeroporto é gente por toda parte e de todos os tipos. Depois de um bom par de horas de atraso, no avião lotado poltronas apertadas onde nem você nem o Jobim cabem.
Pior, se um sentar ao lado do outro. Aí vira festa da uva. É um tal de roçar joelho, dar cotoveladas para determinar o território dos braços das poltronas, no início, disfarçados, após algum tempo de viagem a disputa fica escancarada, verdadeira chuva de cotovelaços.
Fora o vizinho da frente que mal o avião levanta vôo já deita seu encosto todo para trás com sua cabeleira quase roçando nossos narizes. Nessas horas costumo dar umas breves tossidas. Caso não funcione, ensaio uma puxada para uma cusparada que o espaçoso imediatamente leva a mão aos cabelos esperando encontrar alguma gosma e prontamente volta a poltrona para a vertical.
Sem contar aquele imbecil que sai lá de trás e vem conversar com seu vizinho e se apóia no encosto da sua poltrona, esfregando o bundão na sua orelha. Sugiro dar-lhe uma beliscadela nos glúteos dizendo, “nossa, que gotosinho!” Costuma dar certo.
E pensar que há poucos anos fazia-se esse trajeto na primeira classe de um Boeing da Varig, em poltronas confortabilíssimas, cervejinha gelada, um belo filé de peixe com molho de alcaparras de almoço, servido por aeromoças lindas e gentis.
Lembro bem que os aviões saíam no horário e, imaginem, chegavam no horário. Havia certo glamour nas viagens de avião, nos aeroportos, nas pessoas.
Cadê o velho glamour? Ah, meu Deus, que saudades da civilização!
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