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Local: Varanda em Pernambuco

sábado, setembro 26, 2009

Réquiem da lagosta

Tomava meu chopinho quando passa frente ao bar um rapaz com uma caixa de papelão com 4 lagostas de bom tamanho, vivas.

Veio oferecer todas por R$ 40,00. Entusiasmei-me. A choperia que vou é aqui defronte por isso levo no bolso somente o dinheiro do chope ou do assalto, dependendo da sorte do dia. Como sou um tomador de chope regrado minha graninha não dava para comprar nem uma lagosta.

Não por isso, disse o dono do bar, você é da casa. Quantas você quer levar? Respondi que uma era suficiente para testar minha expertise em cozinhá-la.

Peguei a dita e aí começou uma sensação esquisita. A pobrezinha mexia as perninhas e as antenas sem atropelo, quase confiando em seu destino que, imagino eu, imaginasse que fosse a volta ao mar. Mal sabia ela.

Pedi umas instruções de como matá-la sem sofrimento. È fácil, basta água numa panela grande, um pouco de sal e ponha para ferver. Quando levantar fervura basta jogá-la dentro. Fiquei arrepiado. Insisti, mas como fazer para que ela não sofra? Respondeu-me que ao cair na fervura nem notaria que já estava morta.

Desconfiado, coloquei-a num saco plástico e voltei para casa. Joguei-a na pia e a miserável voltou a se mexer com a dignidade de um louva-deus do mar. Desviei o olhar e preparei a panela. Percebi que a panela não era grande o suficiente para acolhê-la com algum conforto. Vacilei. E agora?

Dei uma andada pelo apartamento, criei coragem, voltei e num gesto rápido arranquei suas antenas. Brigou um pouco, mas logo voltou à sua majestade. Fiquei a observá-la. Bonita, elegante, com cara de nova, apesar do tamanho.

Comecei a duvidar se comê-la era a melhor opção. Certamente para ela não era, mas para mim a tanto tempo sem degustar uma me pareceu o mais certo a fazer e deixar de frescura. Joga a dita na panela e pronto!

Meu Deus, a água começou a ferver. Tinha que decidir agora. Decidi pelo menos recitar algum poema para ela enquanto a sacrificava. Seria um conforto, pensei.

Ocorreram-me versos do poema do “Fado Tropical” do Chico Buarque: “ se a pena se apresenta bruta, mas que depressa a mão cega a executa, pois que senão o coração perdoa.”

Incontinenti, lancei-a na panela.