
Você já reparou como é fácil resolver os problemas dos outros? Não passa dia que eu não ouça palpites sobre como eu deveria tocar minha vida resolvendo minhas agruras desde uma simples unha encravada até as mais profundas mágoas do coração.
Alguns começam rodeando, cercando Lourenço, passam por uma sumária descrição da genialidade de Freud, de suas desavenças com Jung, até chegar ao ponto que interessa: “viver a vida do jeito que você vive, não vale a pena. Há que reagir ao desânimo, visitar os amigos, ir ao cinema e não ficar aí ensimesmado pensando não sei o quê”!
Outros, mais simples, vão direto ao ponto, e tem sempre um bom exemplo a ser seguido e soluções milagrosas: “você devia fazer como o Eufrásio. Vivia meio borocochô receitei um floral de Bach que foi tiro e queda. Animou-se, vive rodeado de amigos, vai a festas, até em rave já foi!”
O mais engraçado é que para resolverem o seu problema eles têm antes que criar o seu problema. Se você diz estar um pouco cansado vem logo o diagnóstico. “Deve ser o fígado, você anda exagerando na cerveja, tem que se alimentar melhor, tá magro como um vara pau! Bata uma vitamina de abacate com berinjela, tomate e laranja. Pode por um pouco de suco de limão também, tem vitamina C.”
Argumento que não deve ser o caso já que acordei as cinco e meia da manhã, andei hora e pouco na praia, nadei num gostoso banho de mar, tomei umas cervejinhas no almoço e agora às 3 da tarde estou meio cansado, pronto para uma sesta. Não adianta. “É isso, exagerado, tem que ir com calma afinal você já não é mais criança, né?”
Sempre pensei que não tivesse nada de errado com esta vida que eu levo : caminhar na praia, banho de mar, uma cervejinha gelada, uma boa música. Ler meu jornal com calma em silêncio, vez por outra um filminho na TV, um bom livro, surfar na internet. Eu gosto disso. Gosto de não ter compromissos, de não ter que ir a algum lugar nem ter que visitar alguém, de ir ver tal filme ou tal peça teatral porque são as da vez. Gosto de ficar só. Estou confortável assim.
De vez em quando tenho lá minha depressãozinha, mas já tomei minhas providências. Vou a uma psiquiatra muito simpática. São sessões memoráveis! Chego para a consulta carregado de problemas e ela, logo ela, acha que eu não tenho problema nenhum. Afinal de contas diariamente a gente é bombardeado por milhares de insights negativos. São guerras, assassinatos, roubalheira geral, calamidades, falta de solidariedade. Mexem mesmo com a gente.
Tá certa ela, neste mundo de hoje, felicidade em tempo integral é um estado de demência e eu seguramente não atingi esse estágio. (“Ainda”, comentam meus palpiteiros de plantão).