Que gente, afinal, somos nós?
Com o passar do tempo percebe-se, com clareza, que ele compreendeu, com rara sabedoria, o caráter nacional.
Como ele próprio afirmou, não é muito chegado à leitura. Poucos ou nenhum livro passou por suas mãos. Cinema, talvez, agora no conforto do Alvorada.
Em conversas, alguém pode ter lhe falado em Macunaíma, o herói preguiçoso e sem nenhum caráter, personagem do antropofágico Mário de Andrade.
Só para relembrar, cito uma pequena parte da definição que o autor nunca publicou com o livro, sobre seu personagem:
“O que me interessou por Macunaíma foi incontestavelmente a preocupação em que vivo de trabalhar e descobrir o mais que possa a entidade nacional dos brasileiros. Ora depois de pelejar muito verifiquei uma coisa que me parece certa: o brasileiro não tem caráter. Pode ser que alguém já tenha falado isso antes de mim, porém a minha conclusão é uma novidade para mim porque tirada da minha experiência pessoal. E com a palavra caráter não determino apenas uma realidade moral não, em vez entendo a entidade psíquica permanente, se manifestando por tudo, nos costumes, na ação exterior, no sentimento, na língua, na História, na andadura, tanto no bem como no mal. O brasileiro não tem caráter porque não possui nem civilização própria nem consciência tradicional.”
Quando deputado federal, a única contribuição de Lula ao parlamento foi declarar que o Congresso era formado por trezentos picaretas. Começou aí seu aprendizado. De volta a vida sindical e líder do PT acostumou-se ao verbo, às mesas de bar, às despesas pagas pelo partido e por amigos, mas nunca com a entediante rotina do trabalho. Tinha tempo de sobra para ouvir, auscultar e observar nosso mundo político.
Não se pode imaginar Lula, presidente do PT, e mesmo antes como líder sindical, sem vê-lo navegando fundo no patrimonialismo confundindo despesas pessoais com as do partido e vice-versa. Não fez parte de sua formação distinguir este tipo de coisa que acaba sendo aceito como um direito seu, já que tanto batalhava “pelo bem dos outros”.
Se assim foi na oposição não seria diferente no poder, a não ser pela dimensão dos valores envolvidos. Foi surpreendido pela voracidade pantagruélica de seus auxiliares pelas verbas públicas e tomou sua primeira porrada vendo-se enredado em negociatas de todos os tipos, pego chafurdando-se na lama.
Anotou e mais uma vez aprendeu. Estava sim, num mundo de picaretas, não 300, mas milhares em todos os poderes doutorados e togados em roubos, chantagens, propinas, mensalões, infraeros, ambulâncias, bolsas família, hospitais, verbas de merenda escolar. Tudo, absolutamente tudo era roubado, extraviado, comissionado, contrabandeado.
Começou a se sentir totalmente à vontade para fazer o jogo que bem entendesse gerenciando o preço de cada um de nós. Aos desvalidos dinheiro, puro e simples, para outros cargos, poder, agrados a vaidade, afagos políticos. Passou a nos comprar, sem nenhum escrúpulo.
Aí está o pulo do gato. Lula perdeu o escrúpulo de chantagear, de comprar. Viu com a clarividência dos gênios que não havia virgens no puteiro. Podia afrontar qualquer um, ao seu bel prazer, sem compostura, peitar a todos com propostas das mais indecorosas, sem hora ou cerimônia, tudo valendo para lambuzar-se em orgasmos múltiplos de poder!
Negociou, por meses a fio, ministérios, secretarias, primeiro escalão, terceiro, décimo. Compôs um ministério de folha corrida, sem nenhuma expressão extra policial.
Cercou-se do que há de pior na política desde simples ventanistas até figuras carimbadas da alta ladroagem.
Um "brazileiro", professor de direito em Harvard, fundador do partido dos bispos evangélicos, que em artigo aportuguesado e inflamado no jornal Folha de São Paulo, há um ano e seis meses, afirmou que o governo Lula era o mais corrupto da história do Brasil e conclamava o Congresso a cassar-lhe, de imediato, o mandato, foi nomeado, com status de ministro, chefe da Secretaria Especial de Ações de Longo Prazo.
Que longo prazo podemos esperar gerenciados por um bando de escroques que se uniram para dar a Lula um novo mandato sem surpresas, todos comendo em suas mãos?
Um dia perguntaram ao Einstein se ele anotava as idéias que tinha. Respondeu: “Engraçado, só tive uma idéia até hoje!”.
Lula teve a sua e passa na nossa cara, diariamente, que, assim como Macunaíma, somos uma gente sem nenhum caráter.